Vol. 119 No. 1 (2025): Agustina Bessa-Luís e os sobressaltos do século XX

Guest editors: Maria Araújo da Silva & Fernando Curopos in collaboration with Alda Maria Lentina

The Portuguese writer Agustina Bessa-Luís (1922-2019), whose centenary was celebrated on 15^th of October 2022, was considered by the critic António J. Saraiva the second miracle in Portuguese literature after Fernando Pessoa, nothing less. Although this opinion is shared by many other critics over the world, her oeuvre has not obtained the expected recognition abroad, being eclipsed, far too often, by two other equally prolific contemporary Portuguese men writers: José Saramago and António Lobo-Antunes. Despite her prolific and multifaceted literary work – in addition to the novel genre, Bessa-Luís also wrote plays, biographies, youth literature, essays and screenplays for the cinema – her work remains quite confidential outside the Portuguese-speaking world. Since her most celebrated and original novel, A Sibila (1953), and until her last novel, A Ronda da Noite (2006), Agustina Bessa-Luís has hardly been considered one of the pioneers responsible for the revival of the Portuguese novel in the second half of the 20^th century. Nevertheless, and while her work has crossed several aesthetic trends – Neorealism, Nouveau Roman, Postmodernism – and has practiced an “adulterous mixture of everything”, in Portugal and for the literary critics, it is above all men writers who are put at the forefront when it comes to demonstrating a thematic and generic inventiveness at work in the contemporary Portuguese novel, unveiling its singularities and idiosyncrasies. However, the author was not only attentive to all the aesthetic trends of the 20^th century, but she also took part in the inventiveness that characterizes the art of the novel, through an abundant and unbridled writing, where fiction mixes with History and where the arts – particularly painting – are recurrently evoked to write a Portuguese counter-history, with women as the true heroines. A protean oeuvre which allows us to glimpse the upheavals of the 20^th century and grasp an oblique and subversive vision of the recent history of Portugal.

The present monography constitutes a true homage to this Portuguese “Feminine Genius”, to reuse Julia Kristeva’s provocative hyperbole, and compiles 9 articles by researchers who reflect on the oeuvre of Agustina Bessa-Luís in its century, in the various aesthetic currents that run through it, without forgetting its political, cultural and social dimension, as well as a way to persist in exploring her work in new ways, its legacy and its re-mediation.

A escritora Agustina Bessa-Luís (1922-2019) – cujo Centenário de nascimento foi celebrado a 15 de outubro de 2022 – foi considerada pelo crítico António José Saraiva como “o segundo milagre da literatura portuguesa, depois de Fernando Pessoa”. Conquanto esta opinião seja partilhada por muitos outros críticos, a sua obra não obteve uma verdadeira consagração no estrangeiro, tendo sido eclipsada pela produção de dois escritores portugueses contemporâneos igualmente prolíficos: José Saramago e António Lobo-Antunes. Apesar de uma produção vastíssima e multifacetada, incluindo romances, peças de teatro, biografias, literatura infantojuvenil, ensaios, crónicas e guiões cinematográficos, Agustina Bessa-Luís continua a ser pouco conhecida e divulgada fora do universo lusófono. Desde a publicação do seu célebre romance inaugural, A Sibila (1953), até à sua última obra, A Ronda da Noite (2006), Agustina Bessa-Luís raramente foi considerada como uma das figuras pioneiras do renascimento do romance português na segunda metade do século XX. Embora tenha atravessado diversas correntes estéticas – neorrealismo, Nouveau Roman, pós-modernismo – e praticado uma “mistura adúltera de tudo” no que toca à criatividade temática e genérica do romance português contemporâneo, às suas singularidades e idiossincrasias, a crítica, essencialmente centrada na produção de autores masculinos, desvalorizou o papel fulcral da escritora nesse domínio.

Agustina Bessa-Luís não só esteve atenta a todas as correntes estéticas do século XX como também participou na renovação da arte do romance, através de uma escrita particularmente rica e densa, onde a ficção se cruza com a História e as artes – especialmente a pintura – são constantemente convocadas para propor uma contra-história, desafiando narrativas estabelecidas e oferecendo novas perspetivas sobre o passado e a identidade cultural. As mulheres inscrevem-se, elas também, como verdadeiras heroínas nesta obra multifacetada que deixa entrever as convulsões do século XX, oferecendo ainda uma oblíqua e subversiva visão da história recente do país.

Constituindo-se como uma homenagem a este “génio no feminino” português, para retomar a hipérbole provocadora de Julia Kristeva, o presente número reúne nove artigos de investigadores que se debruçam sobre diversas vertentes da obra de Agustina Bessa-Luís, marcada pelas correntes e transformações do século em que viveu. Profundamente imersa nas dinâmicas culturais, políticas e sociais do seu tempo, a sua escrita evidencia uma sensibilidade crítica e uma perspetiva singular sobre a realidade que a rodeava, consolidando a sua relevância no panorama literário português.